O Mutantes e Malfeitores, em sua terceira edição, é um dos meus sistemas favoritos e também um dos melhores para simulação de personagens, em minha opinião. Usando-se de um conjunto de Efeitos (que é o que se faz nas regras), Descritores (como o efeito toma forma na narrativa) e Modificadores (para alterar como efeito funciona) poderes são formados. Dado essa maleabilidade, é bastante comum a tentativa de simular personagens das diversas histórias em quadrinhos, filmes, animes e mangás.
Geralmente, em RPGs com um certo foco em desenvolvimento e combates, os personagens usam o que tem em mãos e vão adquirindo coisas conforme recompensas que são dadas pelo mestre e ambientes e, estas mesmas, muitas vezes são voláteis e também trocáveis com bastante facilidade. Recebi uma espada mágica? Vendo para comprar uma mais cara depois. Terminei a “dungeon”? Compro coisas novas com o XP.
Enquanto no Mutantes e Malfeitores, ele veio com alguns adendos inesperados para os jogadores com a experiência mencionada ali, pois carrega bastante nele a temática de super-heróis e os mesmos carregam fortemente uma narrativa que se mantém num status-quo, que resulta em heróis que geralmente não mudam muito. E as formas que o sistema tem para fazer isso são: a forma de criação de personagens e a forma que são definidas os poderes.
A Forma Que Os Personagens são Feitos
Normalmente, numa experiência de RPGs eletrônicos, não há teto. Você está com sua classe, que define os requisitos e características que você vai focar (Ex: Guerreiro tem Força, Mago tem Inteligência), e você vai capitalizar em ficar aumentando essas coisas sempre pois você quer seu personagem sempre no ápice para enfrentar os desafios. Em Mutantes e Malfeitores, todos personagens são regrados pelo “Nível de Poder”, que define (mecanicamente) o teto de todas suas características. Portanto, quando estiver em um grupo, normalmente, todos personagens terão o mesmo Nível de Poder e todos terão (com uma mistura de trocas) mais ou menos os mesmos valores em seus ataques e suas defesas. Um Hulk claramente é mais forte que um Batman, mas um teria mais Força e outro mais Acerto.
Portanto, com um teto definido, o caminho que os protagonistas de animes, especialmente shounens, segue não é da mesma natureza. Mesmo com aumento de Níveis de Poder, é pouco provável que, sem uma remodelagem do personagem, o escopo de atuação dos poderes dele cresçam muito. Seu personagem nível de rua, mesmo com os pontos, vai se aproximar do Batman, mas sem mexer nos fundamentos dele, não vai conseguir abrir caminho para o “Hellbat” de reserva.
Em suma, você vai ter limites mecânicos dos valores de seus efeitos e características que vão te colocar lado-a-lado do seus parceiros e abaixo dos antagonistas. O mais comum que vejo é como fazer um super sayajin e a resposta é: você faz já o máximo do Sayajin do que dá para fazer do Nível de Poder, e toda transformação no meio é apenas um desfalque que você vai fazer a si mesmo.
O material “Hero’s High” inclui uma vantagem que consegue simular algo parecido com transformações desesperadas de última hora, como Naruto com a Kyuubi, Ravena com poderes do Trigon, entre outros, mas é bastante dependente da narrativa e não algo que possa depender sempre. Esses momentos devem ser sempre algo que venha junto com a trama e o que o mestre dar, não na ficha.
A Forma Que Os Poderes são Feitos
Levando ainda os exemplos em sistemas como D&D, é mais comum os personagens nascerem com uma certa quantidade de habilidades e itens especiais a eles e outros são adquiridos de forma externa, com armas mágicas, classes especiais e afins. Em Mutantes e Malfeitores, todos jogadores tem acesso a tudo desde a criação de personagem, sendo seus limites o quanto pode gastar e o máximo que pode ter nas graduações das características dado o Nível de Poder. Você pode ter Viagem no Tempo para qualquer momento do tempo. Você pode ser Intocável. Você pode explodir prédios. Isso é porque todos os poderes são feitos a partir de Efeitos, que é como o poder funciona dentro das regras.
Qual a diferença entre uma rajada de fogo, um soco, uma explosão dimensional, quais todos tem a função de tentar matar alguém? Descritores, porque o efeito é Dano. E o que são descritores? São a forma que seus poderes agem dentro da narrativa. Enquanto a mecânica do efeito Dano determina qual rolagem é feita contra qual dificuldade e que resultado toma, o descritor é como isso é descrito e carrega seu peso na trama. Fogo é fogo, corte é corte, soco é soco, mas Dano é todos.
Adendo: Imunidade, que é um efeito, trabalha quase exclusivamente em cima de Descritores. Você não é imune a “Dano”, mas pode ser imune a Dano de fogo.
Outra coisa também, os descritores servem bastante para cortar o caminho entre “simular demais” e “o resultado que eu quero”. Eu não preciso usar o poder Criar para fazer uma espada e depois na próxima rodada usar essa espada para bater e machucar alguém. Meu objetivo é "machucar alguém” e meu descritor é “Invocar arma”. Portanto, com Dano, posso bem dizer “Com minha magia, invoquei uma espada e lhe cortei”.
Quando voltamos aos animes, tem muitos poderes que são muito mais conceituais em várias mídias. Temos espadas de fogo sim, mas também temos “Espada que lhe corta vai desfazer sua existência” com igual frequência. Coisas como “Cortar o Tempo”, “Parar o Tempo” também são outros problemas, pois não há Efeitos que funcionam de forma geral nesse conceito.
Pode-se criar algo com o nome de “Parar o Tempo”, mas não vai conseguir fazer tudo que o descritor implicaria. O descritor não comanda o resultado, mas sim o efeito.
- Jogador: “Mas não faz sentido eu não poder fazer isso.”
- Mestre: “Mas você não comprou isso, nem conversou comigo para fazê-lo”.
- Jogador: “Mas é o que meu personagem faz.”
- Mestre: “Não de acordo com sua ficha.”
E isso junta ao nosso próximo tópico...
Nada é Absoluto
Tudo tem como se defender. Todos efeitos ofensivos tem uma defesa para enfrentar, níveis de resultado conforme o dado e nenhum gera algo absoluto a não ser se o alvo começar a falhar por 10 em testes. E isso não é comum em personagens vilões nem em personagens jogadores. Não existem poderes que você toca no alvo e ele vai morrer sem sombra de dúvida. Morrer inclusive, não é comum no sistema sem dar alguns "mexes" nele.
Mesmo assim, mesmo com alguma Aflição ou Enfraquecimento que reduza defesas, ainda vai ter sempre possibilidade do alvo escapar. Até mesmo personagens totalmente “humanos” podem ter sorte com seus testes de Resistência e aguentar golpes de Supermans, afinal acumular penalidades não é sinônimo de derrota.. O que fazer quando acerta o Raio de Desintegração e o alvo tira 20? É melhor dizer que não acertou.
Lembrando que todo personagem de todo personagem de Anime, Quadrinho, Filme que em algum momento disse “Eu sou o melhor X do mundo”, sempre tem a primeira vez que encadeia em duzentas vezes. Vide Bullseye da Marvel, que “nunca errava”, ou o Flash, que é o “mais rápido” do mundo.
Assim como nada é absoluto, nada é Permanente. Coisas como “tirar o poder de alguém para sempre”, “deletar alguém da existência” e afins, são itens que mexem na ficha do alvo a nível de construção de personagem, redefinindo sua criação por toda. Nem mesmo os heróis em quadrinhos permanecem sem poderes ou sequer permanecem mortos. O status quo é lei, e quando não é, estamos falando de decisões que o Mestre vai fazer com a ação dos seus personagens. Aflições acabam, mortes podem ser puladas por um Ponto Heroico e se tu contextualizar teu personagem nas coisas que ele tira dos outros… bem, é capaz de se frustrar.
Capitão América, Nômade, Steve Rogers... Se mantém escudo e a liderança.
Seu personagem é seu protagonista, mas ele não é o único que dita a trama, e o mestre também precisa equilibrar entre as regras valerem ou “isso é bacana o suficiente que vou apenas deixar”. A história é escrita com vários jogadores e várias decisões, e o Mestre também é um deles. Talvez tenha que deixar para lá a ideia de construir um planeta inteiro de personagens, quando o que importa é o seu. É muito legal ter um exército, mas não é a história deles que é contada, ou eles que resolvem o conflito.
Conclusão
Eu acho que o melhor que pode se trazer sobre essa discussão são três pontos:
- Não há surpresas nos personagens ou nos poderes, apenas descritores diferentes. Todos são feitos da mesma forma.
- Não há mudanças drásticas que não sejam feitas sem alterar o personagem como um todo. “Escala de Poder” é bem mais artificial do que encorajada.
- Fichas não mudam o status quo, personagens sim.
Quando entrarem em cena de pensar nas tramas dos seus personagens: fale com o mestre. Estudem expectativas e tipo de jornada. Entendam que NP, às vezes, acaba sendo apenas um número que escreve limites e nem sempre reflete seu potencial em explosões grandiosas destruidoras de cidades.
Faça um personagem que tenha espaço para crescer, mas emocionalmente. Faça o que ele pode ganhar de coisas novas, coisas que ele possa fazer com os poderes que tem (e isso falo até em pontos), do que encaixar um novo bloco de poderes impossíveis de pagar. Lembre que histórias de Super-heróis são sobre quem eles são, não dos poderes que tem. E que no fim tudo volta ao normal.
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